Acharmos que a grama do vizinho é mais verde do que a nossa é algo que pode ser traduzido em um termo mais claro: inveja. Sim, olhar para algo que pertence a outra pessoa e nos sentirmos mal porque ela tem algo, acreditamos nós, melhor do que o
que temos. Ou que não temos. A definição budista sobre a inveja é que ela é uma sensação desagradável que a gente tem quando observa pessoas experimentando prazer, virtude ou boa sorte.
Portanto, uma das características da inveja é voltar nosso olhar para as outras pessoas focando em coisas e características delas que gostaríamos de ter. Mas se inveja é sentir desconforto quando outros sentem prazer ou boa sorte, o que isso diz sobre nós? A grama do vizinho é mesmo mais verde? E por que nos importamos tanto com esse tipo de coisa?
A inveja não só nos deixa incomodados com as vantagens que alguém recebe, como também nos faz criar "enormes estruturas de injustiça em nossas mentes". Além de nos sentirmos mal com o sucesso do outro, criamos uma explicação do porquê disso
ter acontecido com ele e não conosco. Deduzimos, inconscientemente, que éramos nós os verdadeiros merecedores de tais benesses. Nos sentimos deixados de lado, esquecidos pelo Universo. "O invejoso se sente incompreendido, ele acha que o mundo lhe deve alguma coisa", explica o psicólogo e escritor Alexandre Bez, autor de Inveja - O Inimigo Oculto. Assim, começamos a alimentar uma raiva direcionada a quem conseguiu algo que queríamos ter. Nasce uma inveja.
A inveja está ali instalada, mesmo que a gente ainda não tenha se dado conta disso. E ficamos matutando, tentando encontrar uma explicação para aquele incômodo. A primeira reação é negar esse sentimento. E construir uma justificativa mais ou mesmo assim: "não é inveja, mas eu queria tanto aquela (complete aqui com qualquer coisa boa). Lutei muito por isso, sou aplicado, me esforço, e justo ele/ela foi conseguir? Realmente não é justo".
Cair nesse raciocínio não custa muito. O perigoso disso é que, a partir daí, pode-se justificar muitas coisas danosas para nós e os outros. Afinal, se estamos sendo injustiçados, temos de nos defender, não é? Mas e se a injustiça for falsa? E se o Universo não estiver em dívida com a gente? Parece que a inveja é causada de fora para dentro: alguém me fez sentir raiva, alguém me fez sentir inveja. Tal percepção é, no entanto, enganosa, observa ele. "Na verdade, é um movimento essencialmente interno e da pessoa que está sentindo, não é de fora.
Tenho dois caminhos: ou ataco meu objeto de desejo, desqualificando, desvalorizando, ou eu me sinto destruído por aquilo, me consumo na minha inveja. É como aquela expressão popular `comer o próprio fígado", diz.
Motivos para invejar não faltam. Três tipos de coisas são combustíveis para esse sentimento: posses, qualidades e o conhecimento. E o que dizer dos dias de hoje, quando todos querem expor o que há de melhor em suas vidas? As redes sociais, tão pródigas em nos conectar e manter informados, são, dessa forma, um terreno bastante fértil para a semente da inveja.
Um estudo de duas universidades alemãs - Tur e a Técnica de Darmstadm - mostra o porquê de o Facebook não querer incluir um botão "descurtir" em sua plataforma. Seiscentas pessoas foram entrevistadas e um terço delas (33%) disseram que se sentem inferiores depois de olharem o perfil de amigos ou colegas. O que mais incomodou, segundo a pesquisa, foram fotos de férias, de atividades sociais e ficar sabendo de conquistas e do sucesso dos outros. De acordo com o artigo publicado pelos pesquisadores, "a disseminação e a onipresença da inveja nas redes sociais enfraquecem a satisfação dos usuários em relação a suas vidas".
Faz sentido, já que a vida dos "conhecidos", até pouco tempo atrás, não era tão acessível assim. Agora, basta abrir uma rede social para ficar sabendo de tudo o que os outros querem divulgar: novos empregos, viagens, relacionamentos. O tempo todo temos um lembrete de como os outros estão, e olhamos para as nossas vidas e pensamos se não poderíamos estar melhor.
A inveja é um sentimento humano tão antigo que está no Velho Testamento. Um dos exemplos mais famosos é o de Caim, que matou seu irmão Abel. Segundo conta o texto do livro Gênesis, Caim ficou furioso porque, quando ambos os irmãos fizeram oferendas a Deus, apenas a de Abel foi reconhecida. Essa sede por recompensas pode não ser nova, mas as transformações que o mundo vem sofrendo desde o século 16 têm contribuído para que sintamos cada vez mais necessidade de nos comparar aos outros - e acabamos sofrendo mais por isso.
Para entender melhor o porquê de nos compararmos, temos de entender que nem sempre as pessoas se consideravam iguais. Na Antiguidade, por exemplo, até antes da época em que a Bíblia foi escrita, a noção de igualdade era diferente da que temos hoje. O filósofo suíço Alain de Botton mostra que, na Grécia, a desigualdade entre as pessoas era uma coisa natural. Em seu livro Status Anxiety (em tradução livre, Ansiedade por status), de Botton relata que o filósofo Aristóteles (384 - 322 a.C.) via a escravidão como algo normal. "Só no meio do século 17 é que o pensamento político começou a contemplar o igualitarismo", escreve. Até então, o mundo era um lugar dominado por monarquias e aristocracias. Quando a ideia da democracia começou a ficar popular pela Europa e América, a noção sobre as pessoas mudou junto. Antes, pensava-se que as desigualdades entre as pessoas eram naturais e até justificadas pela religião. Com o fim desses regimes políticos, a ideologia passou a ser de oportunidade igual para todos, já que todos seriam essencialmente iguais. "Nas democracias, a atmosfera da imprensa e opinião pública incessantemente sugeria aos servos que eles poderiam alcançar os cumes da sociedade. E que poderiam se tornar donos de indústrias, juízes, cientistas ou presidentes", observa o filósofo. Teoricamente, a partir do momento em que a democracia se tornou o ideal da sociedade ocidental, qualquer um poderia ser o que quisesse. Só dependeria do próprio esforço.
Uma busca incessante por esse sucesso entre nossos iguais nos leva a um ressentimento específico quando a inveja desfere sua picada. Vivendo entre iguais e nos comparando incessantemente, vamos nos sentir mal quando olharmos para aqueles que estão mais próximos, pessoas com quem podemos nos comparar.
Em um estudo publicado pela revista Nature, o Instituto Nacional de Ciências Radiológicas do Japão identificou no cérebro humano a manifestação da inveja. Usando ressonância magnética, verificaram que a sensação provocada é interpretada por nós de maneira similar a uma dor física. Além disso, notaram que isso só aconteceu quando os 90 voluntários se compararam com pessoas similares a eles, que tinham recebido algum benefício material ou de status.
Se invejar é algo, digamos, natural, como não deixar que nossos desejos individuais se transformem em um vetor de negatividade apontado para aqueles que estão recebendo algo bom? Em primeiro lugar, é preciso ter consciência. "O melhor é reconhecer que estou invejando e aí tentar aceitar esse sentimento: ter condição de conviver com isso sem me atacar ou atacar o outro", diz o psiquiatra e psicoterapeuta José Toufic Thomé. Claro que isso é difícil, mas não devemos fugir e, sim, encarar nossos sentimentos, por mais obscuros que sejam.
"Apesar de a inveja ser real, ela não representa necessariamente que desejamos mal à pessoa com quem tivemos dificuldade de compartilhar a alegria", afirma Nilton Bonder. E o segredo é simples. "O oposto disso é o regozijo", ensina o monge Gen Tsultrim. "É uma prática muito encorajada no budismo. É você ficar feliz quando alguém desfruta prazeres." Em ídiche, relata Bonder em seu livro, existe uma palavra
para descrever essa atitude: farinem, que significa "compartilhar prazer".
Compartilhar a felicidade do outro é deixar de lado nosso egoísmo e considerar o ponto de vista de quem tem o que comemorar. Em vez de lamentarmos o fato de não sermos agraciados pela mesma facilidade, melhor é se juntar à festa.
E como fica a pergunta do início do texto? Afinal, a grama do vizinho é ou não mais verde que a nossa? Pomerantz descobriu que sim: o jardim do outro lado da cerca brilha com uma cor mais intensa do que a nossa. Ao olhar para a nossa própria grama, por entre as folhas, vemos também a terra marrom, que "dessatura" o verde, fazendo com que ele fique mais fraco. Quando olhamos para o vizinho, no entanto, o ângulo não deixa que vejamos a terra, só as folhas, o que fortalece a percepção do verde.
A grama do vizinho é sempre mais verde pelo mesmo motivo que a vida dos outros parece, não raramente, melhor do que a nossa: porque estamos presos ao nosso próprio ponto de vista. Sempre haverá algo que pareça melhor, mais bonito ou ainda mais colorido. Temos é de aceitar as nossas bênçãos para não perdê-las de vista. Talvez o nosso vizinho não concorde conosco. Será que se perguntarmos a ele, vai achar que a grama dele é tão verde assim? Será que não vai achar que a sua é a mais verde?
AQUELINE SCHLINDWEIN
Terapeuta Holística
95463778 - jaqueschlindwein@outlook.com
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